O quarto estava bem iluminado. Pelas
janelas abertas o sol irradiava sob minha pálida e bela amada. A brisa matinal,
o perfume das flores, seu sorriso. Tudo naqueles encontros me fazia feliz.
Quando eu
estava com ela não sentia a velhice que me açoitava. Eu me sentia jovem em sua
presença. Ela, que permanecerá tão jovem como quando em nosso primeiro encontro
estava ali, na minha cama. Trajando nada mais do que uma camisola.
Eu não
queria mais ter que pensar na minha esposa como era. Sofrer por tudo o que eu
já havia passado. Não. Agora tudo era mais simples. Com ela, eu apenas me
divertia. Passávamos horas rindo, curtindo a companhia uma do outro. Não
precisávamos de sexo ou de nos tocar. Além do fato deu estar muito velho, a
simples presença, naquele quarto de asilo, da minha velha jovem me deixava
saciado.
Eu sabia que
ela precisava ir embora, afinal hoje era o dia de visita. Augusto, meu filho,
estava pra chegar a qualquer momento. E só eu sei o quanto é aborrecedor para
ele os meus encontros. Ele não consegue aceitar que eu seja feliz. A vida me
ensinou depois de muita dor que não podemos fazer tudo da maneira correta. Se
quisermos realmente atingir a felicidade precisamos quebrar alguns paradigmas,
algumas leis, até mesmo físicas.
-Por favor,
não vá. – implorei – Sem você eu não existo. Não sei como Deus pode ser tão
injusto. Levou-a, mas me deixou aqui. Largado. Um velho não deveria nunca ficar
sozinho. Não me deixe.
Mas ela
sempre fora determinada. Uma jovem de fibra. Olhou-me fixamente como sempre
fizera e balançou sutilmente a cabeça. Meneou de tocar meu rosto, porém se
afastou entristecida. Não podia, tinha que ir. E foi.
As
despedidas em nossas vidas são constantes. Com a minha amada não fora
diferente. Quando mais jovem, brigávamos muito. Eu era impetuoso, não queria
argumentar. Nossas incansáveis separações mutilaram o frágil coração daquela a
quem eu não soube amar. Mesmo sendo um
completo idiota, por algum motivo, ela sempre retornava. Eu me sentia seguro
quanto a sua volta. Até um dia em que não voltou.
Eu nunca
imaginei como seria minha vida sem ela até o dia em que fiquei. Não tinha ela
no café da manhã ao meu lado. Não tinha ela no cinema. Não tinha ela no parque.
Não tinha ela de noite para me aquecer. Não tinha ela para me chamar. Meu nome
nunca mais tinha sido invocado. Acho que sem ela ele simplesmente não tinha
valor. A vida arrancou violentamente a
minha amada. E depois de muito sofrer meu, ela voltou. Voltou sem rancores, sem
mágoas. Aceitando-me de braços abertos.
Quantas
lembranças...
Meu filho
entrou no quarto e eu nem tinha notado. Estava tão afundado em pensamentos que
não me preocupei com sua chegada. Ela não estava mais lá. Era somente eu, minha
cama, e o sol. E agora Augusto.
-Ela estava
aqui?
Ele nunca
entendeu meu amor por ela, e nunca entenderá. Sua reprovação é a prova de que
ainda não sentiu por ninguém o que eu sinto até hoje por minha amada.
-Pai, você
sabe que não pode ficar em contato com ela...
-Augusto, já
tivemos essa discussão. Eu não irei parar de me encontrar com o único motivo
deu estar aqui, tendo essa conversa com você. Ainda vivo.
Meu próprio
filho agora chorava temeroso. Temia pela minha sanidade. Um velho fazendo essas
coisas era de se duvidar. Mas eu estava convicto de que era o melhor a se
fazer. Enquanto eu estivesse vivo não ignoraria minha amada.
-Não duvido
do seu amor por ela. Mas as coisas mudaram, pai. Os médicos estão falando em te
transferir, em aumentar os seus remédios. Ela com certeza não esta te fazendo
bem. Por que você não me escuta?
-Como
entender um filho que quer impedir seu pai de se encontrar com sua esposa. Como
você pode negar o amor que lhe gerou?
-Não fale de
minha mãe! Pai, minha mãe esta morta. Enterrada há muito tempo. Não há nada que
possamos fazer. Eu preciso de você, pai. Não me deixe sozinho. Não desista da
sua vida. Se você continuar a falar que se encontra com ela, os médicos vão te
tirar de mim. Eu não conseguirei viver sem você também.
Eu estava
cansado daquilo tudo. Dos médicos dizendo o que eu poderia fazer ou não. Fazia
uns nove anos que eu não saía do asilo. Minha hora estava chegando. Eu sabia.
Finalmente eu teria paz.
-Filho, eu
te amo. Sua mãe pode ter morrido, estar enterrada. Mas ela morreu na matéria. O
amor que eu sinto por ela não depende de um corpo para se dar. Não precisa de
um toque para esquentar. Ele não precisa de um nome para eu chamar.
Ela, sua
mãe, vive em meu coração, nas minhas lembranças. E agora nessa hora meu nome é
chamado. Escuto o coro angelical. A luz. Essa luz, você está vendo?
A voz de
Augusto estava ficando tão distante “Pai...”. Um sussurro.
Eu
finalmente estava livre! Madalena, minha mulher, morta em um acidente de carro
após uma de nossas brigas, me esperava. Era ela quem vinha alada me buscar.
Amor que era
amor mesmo sem eu me dar conta de que amava. Amor. Do outro lado do véu.