Pages

Subscribe Twitter Facebook

A Namorada que Nunca Beijei

 Mesmo depois que me mudei, o conceito de novas oportunidades numa nova cidade nunca foi o bastante para me animar. Era um fim de tarde agradável, mas tudo que eu realmente queria era virar a rua Minas Gerais em direção ao meu apartamento.
 Rumores vindos de todos os cantos julgavam tal professora de história perversa. Como não queria arriscar um ‘zero’, seria melhor sim, cair na conversa dos colegas e ir correndo para a biblioteca pesquisar sobre aquele trabalho complicado, do qual o tema eu não me lembro exatamente. Por falar em lembranças, foi naquela mesma noite que conheci minha verdadeira oportunidade na cidade nova.
 No caminho, estava do meu lado e, não me lembro o motivo, arranhou meu braço sutilmente, numa demonstração de suas unhas feitas. Disse a ela que aquilo me excitava e ela respondeu com uma careta. Que mancada! Meu segundo contato, não menos desastroso, foi um piadinha com a estatura dela; ela pode não ter gostado muito, mas eu estava feliz por haver conseguido ao menos arrancar daquele rostinho um sorriso forçado. E parecia uma estranha ligação. Ela estava aonde eu ia, e não importava aonde ela fosse, meus pés também me guiavam até lá. Quanto ao trabalho de história, creio que alguém tenha dado o devido progresso à ele.
 Já era noite quando descemos de volta pela 7 de Setembro até o ponto de ônibus onde ela partia.  O assunto rendeu acerca de filmes e seriados, e ainda hoje, quando assisto Heroes me lembro dela. Voltei pra casa me sentindo um idiota. Durante muito tempo eu vinha planejando uma maneira de me achegar até ela e agora eu estava ali, andando e devaneando. Sua voz ecoava na minha cabeça e permaneceu até que peguei no sono.
 As semanas seguintes foram de grande progresso virtual. Trocamos nossos endereços eletrônicos e a conversa durava horas, sempre que possível. No colégio, eu ainda não ousava muito, talvez porque havia reparado na grossa aliança que ela usava, ou apenas pela precaução de não estragar o que já havia se tornado importante demais. Do meu apelido, ela usava apenas a primeira sílaba; já eu gostava do nome dela, e do sobrenome também; eu o repetia para mim mesmo até me convencer de que ela era real e estava bem ali, conversando comigo.
 Eu me animei. O tempo passou rápido e aquele sentimento crescia, a cidade estranha se tornou “minha cidade” e ela o meu ponto de equilíbrio. Era ela que ouvia minhas queixas, lia minhas histórias, guardava meus segredos e me entendia por completo. Vez ou outra ela dizia que eu era o amigo perfeito, quando na verdade eu apenas escolhia bem minhas palavras para lidar com ela, e evitava ao máximo minhas peculiares mentiras. Se fosse feita uma lista de pessoas para quem eu nunca menti, ela estaria lá.
 O medo de conhecê-la sumiu e tornou-se o prazer diário de estar com ela, e ainda que as amigas a roubasse de mim, eu sempre estava em algum lugar, observando...
 Lembro-me de uma vez em que apareceu sem aquele anél maldito. Eu não me contive em perguntar, mas a resposta não foi nada estimulante, ela apenas o esqueceu em algum lugar. Quem era ele? Quem era o triunfante que namorava aquela garota? Ele existia, mas nunca se mostrava, e ela sempre se queixava dos seus ciúmes. Tive um pouco de medo, mas o medo de vê-la longe de mim era muito mais forte. Quando por fim, o namorado dela apareceu, interrompendo uma agradável conversa na porta do colégio, houve um frio no meu estômago, tão frio quanto a relação desgastada daqueles dois. Durante muitos dias pensei em permanecer um eterno amigo e não tentar nada além, me coloquei no lugar daquele rapaz e pude perceber o que ele estava perdendo aos poucos – ou já havia perdido há muito tempo.
 Com o fim do ano, vieram meus últimos momentos naquela cidade encantadora. Estava decidido, mas antes de deixar tudo para trás (de novo) eu precisava resolver o que tanto me incomodava. Eu a chamei para uma conversa particular, contei a verdade sobre como havia chegado ali e minha imensa alegria de ter conhecido alguém como ela. Cheguei até minha despedida e, sem muito demorar, ao meu profundo sentimento, que agora estava explícito e enterrado, pois era em vão.
 Um silêncio profundo inundou as semanas seguintes. Ela sabia. Me senti um tolo por não ter dito antes, mas de que adiantaria? A aliança ainda estava lá. Conversamos pouco neste final, eu disse algo sobre os dias em que eu iria embora e uma música que sempre ouvia pensando nela; em todas essas breves conversas ela lamentava a minha partida, e eu odiava esses momentos.
 Poucos dias antes do fim das aulas, eu já havia me acostumado com a nova realidade. Entretanto, para minha surpresa, ela decidiu desabafar. Então li uma longa história de um namoro frustrado, tomei suas dores e demais sentimentos, até que eles tocaram em mim. Enquanto aquele cara carregava o título de namorado, fui eu quem ouviu o que ela tinha para dizer e não tinha coragem, era eu quem guardava seus segredos como se fossem os meus, e também era eu um dos poucos que conhecia sua vida por inteiro, dentre coisas simples a outras complexas demais para um namorado entender. Era comigo que ela se sentia segura, brincava e ria do mundo sempre que queria, pois era comigo que ela sorria e tinha liberdade.
 Eu chorei. Chorei como havia prometido jamais chorar por alguém. Então, com o rosto surrado em lágrimas percebi que não haviam motivos exatos para isso, pois pouco faltou entre nós, um beijo talvez. Agora, mesmo estando longe, eu me lembrarei da sua pequena estatura, seus cabelos lisos, seu olhar inocente e sua voz encantadora. Me lembrarei de sua fantasia de índia para o trabalho de teatro e das fotos que tiramos vestidos de palhaço, acompanhados de um fofo peixe de pelúcia. Daqui eu me lembrarei da menina que acreditava em anjos e queria voar. Minha baixinha preferida. Do bom amigo que fui, para a namorada que nunca beijei.

2 comentários:

Muringa disse...

Muito bom!

Diego dos Santos Faria disse...

Legal q eu ja fui imaginando tdo.. Fikou foda..

Postar um comentário

 
Powered by Blogger